quarta-feira, 21 de maio de 2014

EXPLICAÇÃO, COMO TODAS TARDIA.

Não resisti a colocar aqui "ecos" da noite de 24 de Abril de 1974, quando "La Traviata" de Verdi se cantou no Coliseu dos Recreios de Lisboa com Joan Sutherland (Violetta) e Alfredo Kraus (Alfredo). É uma noite mítica por dois motivos: o primeiro, óbvio, véspera do 25 de abril (é algo de "realismo fantástico" sul-americano pensar que enquanto a australiana se esmifrava em coloraturas já os tanques começavam a aquecer!); o outro, porque destas récitas (esta foi a última de uma série que começara dia antes em São carlos) toda a gente me falava revirando os olhos - os que a elas assistiram, é óbvio.
Pois eu não sabia que alguém gravara, com um aparelho rafeiroso, a récita do Coliseu! Foi um baque. Percebi muitas coisas! Por exemplo, não entendia os que afirmavam que a Sutherland no I Acto tinha feito coisas que só ela fazia. Agora, ouvindo, entendo.
E o Kraus? Meu Deus, que saudades!!!! Tive oportunidade de o ouvir em vários títulos (Rigoletto; Lucia di Lammermoor; Pescadores de Pérolas; Werther; e já nem sei que mais) e afirmo: não há ninguém no mundo a cantar como ele o fazia.
Que maravilha! Tomara eu ter a possibilidade de ter podido visitar o passado como o fazem as miúdas e os miúdos de hoje. O que a tecnologia permite.
Isto, é claro, quando os humanos que a dominam pensam. A maquinaria da Antena 2, por exemplo, ficou em casa descansadinha. Já por lá se andava  na senda da euforia ignorante (parece que agora também não gravaram nem transmitiram La Gioconda com Elisabete Matos, não foi? -  a ser assim, é mesmo preciso ter azar: perdem sempre o melhor!)

domingo, 26 de dezembro de 2010


O SOPRANO VERDIANO

Tinha desde miúdo, veja-se lá, e até há poucos anos, a ideia de que a heroína verdiana (sendo que em ópera, salvo rara excepções, as heroínas são sopranos) era uma espécie de mulher muito concreta, com os pés bem assentes na terra - sopranos de vozes gordas na sua maioria, com características spinto, algumas bem dramáticas; mulheres que sabem muito bem o que querem e não se perdem em fantasias. Considerava então Maria Callas a suprema representante do espírito e da vocalidade verdianos. Isto, é claro, generalizando. O facto de esta cantora ter dito que o compositor que cantava com mais agrado era Bellini devia ter-me alertado para que algo de “errado” estava naquele meu raciocínio. Tanto mais que sentia aquele concretismo das heroínas verdianas ainda mais sublinhado quando as confrontava com as heroínas bellinianas, verdadeiros vidrinhos ambulantes, sonhadoras, etéreas, profissionais do devaneio.
Mas, e há sempre um mas na vida, comecei a ouvir, mais e mais, Renata Tebaldi nas grandes heroínas do compositor de Busseto (Aida, Leonoras, da Forza e de Il Trovatore, Elisabetta do Don Carlo, Desdemona, enfim, Giovanna d’Arco - sim, uma versão ao vivo de cair para o lado!) e comecei a achar estranho aquele som sonhador, como que suspenso num fil d’un soffio etesio, que ela emprestava a todas elas. A mulher parecia andar drunfada, fosse qual fosse o papel. Tempo depois do nascimento desta perplexidade, foi ela própria a descodificar-me a coisa, quando numa entrevista que me deu há uns anos, me disse que Puccini a obrigava a ter os pés assentes na terra, quando o cantava, sendo que Verdi a fazia “partir”.
Das heroínas puccinianas falarei aqui noutra altura, mas esta frase de Tebaldi ajudou-me a ver o problema. É que depois foi só ir às partituras e constatar que a mulher estava mesmo certa naquela sua visão sonhadora e etérea. E porquê? Porque grande parte das heroínas verdianas são umas autênticas alienadas. Estão constantemente a sonhar com lugares outros, ou de sonho, ou de passado, ou de anseio, e nunca, mas nunca, estão contentes no espaço e no tempo em que lhes foi dado viver. Ele é a Elvira do Ernani (“Ernani, involami”; ou “Per lande ignude ti seguirà il mio piè”, na mesma ária – e a felicidade com que Elvira canta isto!), ele é a Aida (“O cieli azzurri, o verdi prati, o patria mia”, etc.), ele é a Elisabetta do Don Carlo (“Fontainebleau!”, etc.), ele é a Leonora do Trovatore (“D’amor sull’ali rosee”); ele é a Violetta de La Traviata (“Parigi noi lacieremo”… mas para onde?); e outros exemplos que me não chegam agora à memória. E que existem.
Heroínas concretas são, muito mais, as de Donizetti (mesmo a doida da Lucia pega numa faca e espeta-a muito concretissimamente no seu noivo – imaginamos uma heroína verdiana nestes preparos?), e as rossinianas, mas estas últimas escapam a esta galeria romântica, pois dão mulheres construídas ainda muito numa estética vocal de fins de século XVIII.
Para terminar este devaneio, um raro autógrafo de Tebaldi num programa de São Carlos. Ela só cá veio nos inícios da sua gloriosa carreira, e um dos papéis foi a Donna Elvira do Don Giovanni. O elenco era o que era, mas eu, se não me queixo de já não ter 20 anos, não vou agora queixar-me das récitas de arromba que se ouviam em São Carlos!

sábado, 18 de dezembro de 2010


O SÃO CARLOS EM BRASÍLIA

Estive há pouco tempo, de novo, em Brasília, cidade Património da Humanidade. Ali a arquitectura é rainha. O Palácio do Itamarati, a Catedral, a Praça dos Três Poderes, o Museu Nacional, o Teatro Nacional e a Igreja de João Bosco são de visita obrigatória. Bem como o grande mural de azulejos de Júlio Pomar (para mim uma das maiores representações gráficas do conceito de alegria que conheço) que ali foi colocado por iniciativa do pianista Adriano Jordão, Conselheiro Cultural da nossa Embaixada no Brasil e Director do Instituto Camões em Brasília. Está na Praça de Portugal. Qualquer dia colocarei aqui imagens desse maravilhoso painel.
Quando estou em Brasília nunca esqueço a minha primeira visita a essa capital, em 2005. A Rádio Cultura daquela cidade convidou-me para ir lá realizar uma semana do meu programa Ritornello. Foi uma experiência fantástica, pois o programa era transmitido em directo para Portugal e para todo o Distrito Federal no Brasil. Entrevistei na ocasião variadíssimas personalidades, uma das quais o arquitecto Oscar Niemeyer. Não resisto a contar um pormenor engraçadíssimo. Perguntei-lhe eu, a dada altura, em que é que a arquitectura pode ajudar a Humanidade? A resposta deixou-me absolutamente boquiaberto: - Ajuda nada, menino! O que ajuda a Humanidade é virmos todos para a rua gritar vivas ao Irão e chamar cabrão ao Bush! Recordo que os programas eram ... em directo!
E estou a escapar-me da história principal!
Estive pois em Brasília na segunda quinzena de Novembro passado para comissariar, com o Fernando Carvalho, uma exposição sobre a história do nosso Teatro de São Carlos, a luzinha dos meus olhos! A exposição era constituída pelo meu acervo pessoal de programas, fotos, cartazes, gravuras, partituras e livros, e por uma série de caricaturas de cantores de ópera que me foi emprestada pelo Osvaldo de Souza. Fez-se na exposição um núcleo dedicado a Saramago e a Azio Corghi, tendo o compositor escrito um texto especialmente para o vento.
A exposição inaugurou e, confesso, não despertaram grande entusiasmo as fotos e os programas autografados de Callas, Schwarzkopf, Tebaldi, Cossotto, Knappertsbusch, Kempff, Fischer, etc. Mas, eu quis também homenagear Amália Rodrigues, pois a cantora apresentou-se em São Carlos, e decidi fazer do último dia da exposição uma Noite Amália Rodrigues.
Foi a enchente! Os brasileiros compareceream em peso, apaixonados, e ficaram a ver, e a rever, um concerto efectuado em Tóquio.
Esta disputa entre Amália e as líricas recordou-me, obviamente, uma deliciosa caricatura que o Zé Manel fez há uns anos e que me ofereceu. Ela aqui segue. Divirtam-se.









LUÍS NORONHA DA COSTA e O CREPÚSCULO DOS DEUSES


Este pintor não me sai da cabeça. A sua obra tem, para mim, uma carga evocativa de tal maneira poderosa que, olhando para os seus quadros, sou imediatamente transportado em pensamento para mundos outros, e sou assaltado por angústias, alçado por alegrias. Sei cá eu, o que eu sei é que os seus quadros me fazem partir.

Há, então, uma série que adoro particularmente, chamada "Mares Portugueses". Aqui o mar é de facto aquele que nos matou milhares de homens ao longo da história - um mar escavado, dramático, com negros profundos, revolto, sem planos, pois surgem nele, misturados, elementos das profundezas e a espuma da superfície. A ilustração perfeita para uma História Trágico-Marítima. Aliás, o compositor Luís Salgueiro escreveu há pouco uma sinfonia intitulada Os Lusíadas centrada no tema da viagem; ou seja, escolheu do grande poema épico alguns episódios da viagem do Gama. Essa obra foi gravada e a capa do CD mostra precisamente um dos quadros dessa fabulosa série. Dentro de alguns dias colocarei aqui um excerto dessa Sinfonia, bem como a capa do CD. Isto, se a tal me ajudar o engenho e arte, pois confesso que nesta coisa de "postagens" não sou perito.

Tenho a felicidade de ter na minha sala um quadro de Luís Noronha da Costa, o que se vê acima. Há uns meses visitou-me o compositor António Chagas Rosa e, apenas entrado na sala, olhou para essa obra e saiu-lhe, espontaneamente: "O Crepúsculo dos Deuses!" Parece que a obra de Luís Noronha da Costa não tem poder evocativo apenas para mim!

Aqui fica esse "crepúsculo". Tomando como chave um verso de Keats (A thing of beauty is a joy forever) partilho convosco a alegria!

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A IGNORÂNCIA ANDA À SOLTA NA ANTENA 2
A Antena 2 está cada vez mais miserável. A ignorância e a estupidez andam ali à rédea solta. Hoje, por exemplo, entrando num táxi pouco depois das 17h00, apanho a rádio sintonizada na RDP África, onde estava a ser entrevistado o inefável João Almeida, o sub-director da tal 2. Depois dos disparates constantes que são de seu uso, sai-se com a de que um lema que ele gostava para a Antena 2 era o de Vìssi d'arte. Porquê, perguntarão? Porque (segundo ele) isto quer dizer "Vício da arte"! VÍCIO DA ARTE!!!! Estão mesmo a ultrapassar-se os limites. A Antena 2 entrou em estado de ignorância eufórica e estupidez festiva!
Há anos, estes dislates, quando eram ditos por locutores (o que de vez em quando sucedia, dado que os mesmos não tinham uma preparação musical, nem cultural, por aí além), ficavam no anedotário da rádio. Agora, infelizmente, já chegaram ao nível da direcção da Antena! É um escândalo, aquela coisa cada vez mais envergonha a RDP, o historial da Antena 2, e o próprio país. Eu, quando no estrangeiro conto os disparates constantes do Almeida, vejo estampada a piedade na cara dos meus interlocutores. E o caso não é para menos.
Este homem - o Almeida - já é gozado por toda a Lisboa e arredores. O coitado, disse, por exemplo, há uns tempos, em directo, ao ouvir um oboé a dar um la à orquestra: Estamos a ouvir a orquestra a afinar o si!. Bem, isto é uma bestialidade tão grande como ouvirmos um subdirector do serviço de cardiologia do Hospital de Santa Maria afirmar que o coração fica na sola do pé esquerdo. É exactamente igual, a nível de ignorância!
Contudo, o festivo autor de tal asneira, permite-se (ele que é subdirector da antena, atente-se!) criar um programa para ele e para uns amigos em que, pasme-se, ele, o autor de tais ignorâncias, se permite criticar os maiores nomes da música mundial que por cá passam. E é ouvi-lo - sempre apalhaçadamente - a dar notas! Garanto-vos que é uma barrigada de riso: Ao Pinchas Zukerman dou esta nota, ao Pollini dou aqueloutra, a Bartoli leva esta pontuação, etc., etc.
E assim vai o mundo! Claro que isto (parêntesis necessário) só se permite porque ele tem um director acima dele que ainda deve ser pior, um tal Pego.
Em que pobre país temos a infelicidade de viver!